sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Conto de Natal

[Contextualizando:
na Espanha, a cultura do Papai Noel só começou a ganhar espaço recentemente. Os presentes são distribuídos, tradicionalmente, no dia 6 de janeiro - dia de Reis. As crianças escrevem suas cartas com os pedidos e, na madrugada, os Reis Magos trazem presentes às bem-comportadas, e um pedaço de carvão às que se comportaram mal.
É uma ocasião muito festejada - no dia 5 acontecem, por todo o país, as chamadas Cabalgatas de Reyes: desfiles de carros alegóricos, com personagens fazendo alusão aos Reis Magos jogando doces para as crianças da multidão]

Granada, 5 de janeiro de 2011. A escuridão já tinha tomado conta das ruas há umas boas horas, antes mesmo de que a Cabalgata que enchia a Calle Grán Vía tivesse terminado. Ela estava em seu quarto de hotel, deitada depois de um banho quente e algum tempo perdido na tevê, tentando dormir. E então, sem que ela esperasse, seus fantasmas voltaram.

Ela estava há quase um mês longe deles, longe de toda a sua realidade. Quando havia surgido a oportunidade de passar um tempo na casa de parentes distantes, ela pensou que poderia ser bom pra se afastar das próprias paranoias, desanuviar os pensamentos e poder começar o ano um pouco mais leve. E poder colocar em prática seus planos, até então fracassados, de encerrar alguns ciclos pra poder começar novos. Foi. E quando já mal lembrava de que existia uma vida real do outro lado do oceano, com suas frustrações, viu-se de repente assombrada pela volta de seus velhos fantasmas.

Voltaram com sua aparência já rota, mas ainda torturante - a aparência derrotada e desesperançada das frustrações. E mexeram na sua bagunça emocional, reviraram todas as gavetas, cutucaram as feridas como ela havia prometido a si mesma que não ia mais fazer. Ela se viu encolhida em uma cama que não era a sua, com as desilusões latejando na garganta e a quase-certeza de que seu fado era amargo e inexorável, e ela não conseguiria salvar-se dele. Mas, talvez, se fizesse um pedido...

Intrigou-se com o próprio pensamento: ela nunca soubera bem no que acreditava (sobre deus tinha certeza, sobre poder da fé também; quanto a nuances religiosas, não sabia) mas, definitivamente, esperanças natalinas estavam fora de suas crenças. Aquilo era no mínimo ridículo, pra não dizer deprimente. Mas, afinal, o que custava?

Fechou os olhos e foi tentando definir em sua mente o que realmente desejava (é importante saber o que pedir, pra não correr o risco de acabar como a menina do filme tosco adolescente que tinha passado no Disney Channel). Imaginou que talvez já fosse meia-noite, enquanto sentia os pensamentos se misturarem no surrealismo que vem com a sonolência. Não escreveu nenhuma carta, mas apertou os olhos e desejou com sinceridade. E, antes de adormecer de vez, ouviu um sopro de esperança sussurrando que havia luz no fim do túnel - porque, em algum lugar perdido dentro de si, ela acreditava merecer mais que um pedaço de carvão.

Um comentário:

Beatriz C. disse...

hummm...que fantasmas serão esses??
cada qual com os seus, não é.nmto bom, flor