segunda-feira, 14 de junho de 2010

(drama) sobre o ponto final

Abriu os olhos e encarou o teto: será que foi real? Repassou mentalmente, em uma fração de segundo, os acontecimentos da noite anterior e teve certeza de que não havia sido apenas outro sonho ruim - a ligação ainda registrada no celular e até as colheres sujas de sorvete na pia atestavam que a realidade era mesmo aquela. E agora? Fechou os olhos, tentando não pensar e aproveitar os minutos de sono que lhe restavam. Em vão, é claro: encolheu-se, estirou-se, revirou-se na cama até que o despertador inclemente avisou que um longo dia começava. 

Banheiro, cômoda, geladeira, celular. Pensou em colocá-lo no bolso, acabou jogando na mochila: não precisava mantê-lo à mão - agora, não tinha mais nada pra mandar ou pra esperar. Não mais. Mochila nas costas, fones nos ouvidos. Música atrás de música, tentando encontrar algo que se encaixasse, mas nada parecia se encaixar.

Aulas, colegas, sorrisos sociais. Chegou a hora do almoço e ela vagou por entre os prédios e por entre as pessoas, desorientada. Não sabia onde ir e com quem, não sabia o que fazer com o próprio tempo. Almoçar, talvez? Parecia uma ideia razoável, mas só de pensar nela seu estômago se revirou como não fazia há muito tempo - como se o fato de sua mente estar digerindo algo já exigisse esforço demais.

O dia foi passando, lentamente. E a cada minuto ela se pegava pensando nele, querendo contar dos acontecimentos do seu dia, esperando que ele fizesse contato ou, magicamente, aparecesse no fim do corredor. E a cada minuto, a Razão dentro dela dizia: "Não, você não deve mais pensar nisso". Ah, que ódio daquela Razão censurando-a, como se fosse fácil não pensar, não querer, não esperar!

Foi um dia longo, e mais longas ainda seriam as horas que precederiam seu sono: a certeza dolorosa de que o boa-noite não viria, a Imaginação colocando-o na cama ao seu lado (e a Razão violentamente levando-o dali para muito longe), os pensamentos desenfreados, o corpo encolhido sobre si mesmo, as lágrimas quentes no rosto,... Ela dormia sozinha toda noite mas, naquela em especial, parecia sobrar mais espaço na cama (e menos, muito menos espaço na sua cabeça). E, de uma maneira estranha, o frio de maio pareceu ser pior naquela madrugada.

As madrugadas continuaram frias, assim como as canções, como as paixões e as palavras manhãs e finais de tarde... Mas ela foi se acostumando, devagar, com a ausência - ainda que às vezes o universo parecesse se organizar todo só pra que ela lembrasse dele. No início, mesmo as lembranças boas (ela, afinal, teria alguma lembrança realmente ruim?) lhe remetiam ao vazio que ele tinha deixado, e doía. "Por quê?", ela se perguntava incessantemente, procurando algo no céu de brigadeiro.

Ainda que ela conseguisse uma resposta justa, isso não mudaria os fatos. No fundo, ela sabia que a maldita Razão tinha lá sua razão: o que ela tinha a fazer era aceitar. E aceitou, aos poucos, confiando nas mãos do Destino e sem se arrepender de suas próprias escolhas. E aprendeu a cultivar a saudade em sua forma mais gostosa, que é a certeza de que valeu a pena cada momento.

"E vamos terminar
Inventando uma nova canção
Nem que seja uma outra versão
Pra tentar entender que acabou"

Um comentário:

Li S. disse...

Um belo retrato do ponto final.

.

Exatamente.

=***