quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Sobre vaidade

"Vaidade de vaidades, tudo é vaidade"
(Livro do Eclesiastes 1:2)


A menininha chega à escola, põe sua lancheira rosa-choque ao lado da carteira e nota que já há um bilhete ali, com um coração desenhado. Infla-se toda. Ele não é namorado dela, claro que não, ela não quer namorar com ele. Lê rapidamente, como se não importasse muito, e o bilhete some dentro da mochila dela, como se houvesse sido tragado por um triturador de lixo.
Se saem juntos da escola e se despedem - ele sempre com um beijinho tímido no rosto dela - a mãe dela fica falando no carro sobre como ele é uma gracinha.
Está certo, ele é diferente da maioria dos meninos que ficam enfiando o dedo no nariz. Ele gosta de conversar e fazer gentilezas e elogios a ela. E ela não 'desgosta' dele, na verdade, mas não gosta que pensem que ele é seu namorado. Ela não namora com ele!
Mas em casa, abre a mochila sem ninguém ver e leva o bilhete ao 'esconderijo'. Ainda relê o bilhete do dia com mais atenção antes de guardá-lo junto a tantos outros, deliciando-se menos com as palavras do que com a intenção. Os bilhetes, as flores de papel, as embalagens de bombons, são todos prova do quanto ele a adora - e ela não é tão fútil para expô-los como troféus, então guarda num fundo de gaveta, num misto de intimidade e massagem para o ego.

Ela chega na escola, entra na sala e olha direto para sua carteira, com expecativa. Não há nada. Já faz uma semana que não há nada. Como assim?
Eles ainda conversam às vezes, ele ainda é um menino legal, mas já não fala em namorar com ela e nunca mais deixou bilhetes. Tem conversado com outra menina, aliás, uma que usa um monte de enfeites no cabelo. E, se não falha a memória, havia um bilhete em outra carteira dia desses.
Ela não chora, não faz tipo de mulher traída. Eles não namoravam, claro. Mas remói aquilo por dias, analisando os bilhetes, se perguntando o que será que ele escreve para a menina de cabelos enfeitados. E os observa, e se olha no espelho pensando que, se também pusesse umas borboletinhas no cabelo, talvez os bilhetes voltassem. E espera, todo os dias, que ele se lembre que é dela que ele gosta de verdade, e que era o nome dela que ele escrevia dentro dos corações de lápis de cor.

2 comentários:

João Pedro disse...

Isso me lembrou um pouco a infância...
Eu era esse menino. Poemas, cartas, bilhetes, corações de papel. Elas nunca davam bola. Crianças não dão tanto valor ao romance e hj as crianças, já crescidas, não acreditam mais nele.

tenho tantas lembranças boas dos meus amores de infancia, da minha dedicação em fazer elas sorrirem qnd liam alguma coisa escondida (mas eu estava espiando)

hahahahaha

A ingenuidade está deixando d existir.

Alvaro Rosa disse...

Melancólico esse texto...
Fantástico...
Me deliciei com a leitura dele, sempre você né...
Estou morrendo de saudades das nossas conversas.
Vê se volta logo e me liga.
Adoro-te