segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Conto náutico

"Eu e você, podia ser
mas o vento mudou a direção"
 
(Último grão - Isabella Taviani)

Já se vão quatro ou cinco anos desde que escrevi isso a lápis num canto da carteira verde em que me sentava todas as manhãs. No dia seguinte, notei ao lado do meu registro o desenho de um barquinho, e o recado deixado, em resposta, por um desconhecido: "É só soprar pro lado certo outra vez...".
Tão simples e tão difícil. Afinal, qual era o lado certo? Que ventos me levariam, e pra onde?


Sem saber, deixei-me à deriva, na solidão cruel e contemplativa do alto-mar. Uma brisa conhecida me soprou, e eu me deixei acariciar por ela, me acostumando com seu assovio morno nos meus ouvidos. Via ao longe as nuvens se adensando e, conforme a brisa tornava-se mais pesada, eu adivinhava a tempestade. Ainda assim, gozava das mãos do vento, cálidas e fugazes, nos meus cabelos e sob o meu vestido.

As ondas se avolumavam, o balanço trazia emoção e mareio, a imensidão negra seduzia e assustava. Meti, receosa, a proa mar adentro, e só encontrei mais tormenta. Quando o céu se acalmava, do cesto da gávea eu continuava vendo apenas a solidão e a infinitude do mar. As tempestades vinham com mais frequência - afinal, era verão - e eu mesma admito que ergui muitas vezes as velas para que o vento me levasse ao olho do furacão, onde o mundo girava frenético e sem sentido numa mistura angustiante de inferno e paraíso. E o que sobrava, no fim, eram só tábuas levantadas, o convés revirado, panos rasgados.

Muitas vezes, enquanto tentava organizar os destroços, agarrava os remos e me prometia procurar rumos que me oferecessem mais luz do que os flashes dos relâmpagos. Mas minha bússola estava perdida, as nuvens dificultavam minha visão das estrelas e então, quando o vento soprava, eu içava as velas e me deixava levar novamente.

Depois de muitas noites dormindo com os olhos marejados, um dia acordei com um assovio diferente. Abri os olhos e um pássaro me olhou, encarapitado no alto do mastro principal, antes de alçar um voo suave. Agarrei os remos e tentei seguir o trinta-réis, que ia brincando no céu à minha frente e às vezes, gracioso, se precipitava lá do alto num mergulho. Não muito depois, mais sinais de terra, e um farol despontando no horizonte. O velho barco ficou atracado no cais, oscilando na baía serena. E eu? Levantei minhas próprias âncoras e pude sair voando com(o) o trinta-réis.

eu amo o cabelo ;p